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Henri Bergson


vb. criado em 29/04/2015, 21h48m.

    >> Roteiro de estudo de filosofia: ant.: Husserl. Próx.: Dewey.

Resumo. Na intenção de libertar-se do Racionalismo, do cientificismo [1], do Materialismo, do mecanicismo e do Determinismo [2], num esforço para que o espiritualismo revivesse [1], propôs uma reinterpretação de quatro ideias principais: Tempo, liberdade, [Memória] e evolução [2]. Ênfase na mudança e no processo [9].

Vitalismo. Interesse pela vida e a força criadora do espírito. Quatro idéias fundamentais: a intuição, a duração (durée), a memória e o impulso (élan) vital [1] [7].

Ontologia, Epistemologia, Filosofia da mente. 1896, “Matéria e memória, ensaio sobre a relação do corpo com o espíritoâ€, aborda o problema da inserção do espírito no mundo material. O passado se conserva na memória em sua integralidade e o cérebro apenas filtra as lembranças que são úteis às ações do presente [1]. A memória não “fica†no cérebro, mas na mente, que não é a mesma coisa. Todas as memórias do vivido estão na mente. O cérebro é uma “máquina de esquecerâ€, que filtra as memórias e só dá acesso às que são relevantes no momento, atuando como uma espécie de central telefônica [2] [4].

A relação entre corpo e mente (incluindo a memória) não é uma conexão espacial entre duas entidades, tem de ser entendida temporalmente. Corpo e mente convergem no tempo, numa ocasião de ação, como por exemplo um ato de percepção; convergem em tempo real, no presente, atos perceptivos são intrinsecamente temporais e práticos (visam por o organismo em condição de agir exitosamente). Mas pode ocorrer pura percepção, isto é, destacada de memória e ação: é a intuição, que difere do pensamento conceitual, produto do intelecto [2].

1907, “A evolução criadoraâ€: a duração é o tempo específico de tudo aquilo que existe, seja espírito ou matéria, e não se dobra às injunções da finalidade nem segue rotas mecânicas, por ser espontaneidade pura ou impulso vital. Incapaz de apreensão pelo raciocínio analítico, a duração só pode ser captada pela Intuição, essa espécie de simpatia intelectual pela qual nos transportamos ao interior de um objeto para coincidir com aquilo que ele tem de único e, por conseguinte, de inexprimível [1] [10].

O pensamento conceitual, fruto da existência em sociedade, das interações com o mundo, tende a analisar tudo mecânica e espacialmente (como uma filmadora, reduz tudo a uma série de “framesâ€). A intuição, que deriva do instinto, atinge uma participação direta no, ou uma identificação com o intuído. O intelecto permanece externo ao que conhece, requer símbolos e produz conhecimento relativo. A intuição penetra no que conhece, dispensa símbolos e produz conhecimento de natureza absoluta [2] [5] [8].

Viga mestra: a oposição entre espaço e duração; opõe o dinamismo do espírito à inércia da matéria. É enganador o conceito científico de Tempo: a ciência fabrica seus dados temporais, e por isso parece capaz de medir o tempo e incluí-lo em seus cálculos. Mas ao contrário do tempo da ciência, a duração vivida é qualitativa, e não quantitativa. A mesma hora do relógio pode parecer interminável, se ocupada apenas pelo tédio ou a espera, ou dar a idéia de ser um simples instante, se estiver subjetiva e psicologicamente preenchida de sensações intensas. A ciência, portanto, não mede a duração exata, mas uma duração previamente traduzida na linguagem do espaço. Identificando quantidades de tempo com espaços percorridos pelo ponteiro no mostrador, nossos relógios fabricam um tempo mensurável e homogêneo. No entanto, os instantes da duração, tomados em si mesmos, não se justapõem, formam uma bola de neve que não mais permite reconhecer as partes que se agregam. Ora, medir é contar num todo as partes iguais à unidade. Sendo assim, toda uma parte da realidade, a que envolve a duração e o espírito, escapa à apreensão da ciência [3]. Disso tira a conclusão de que os atos humanos são potencialmente (mas não generalizadamente) livres, porque a escolha não é feita no espaço (como sugere a imagem determinista de escolher um entre dois segmentos que bifurcam uma trajetória linear) e sim no tempo [2].

Metafísica, filosofia: ^ admitiu a legitimidade da ciência no terreno dos sólidos, das coisas naturalmente mensuráveis. Mas esse terreno do estático, por oposição ao dinâmico, constitui uma realidade menos elevada que a do terreno do espírito: o homem pode procurar dominá-lo, devido a sua utilidade prática, mas não é aí que encontrará a verdade [1]. A ciência necessariamente falseia tempo, movimento e mudança porque precisa interpretá-los em termos de conceitos estáticos, de forma que a ciência pode lidar com a matéria, mas não com o devir. Sugere uma nova noção de ^^, como Empirismo “verdadeiroâ€, que explora o verdadeiro Devir por participar diretamente nele, suplementando a ciência pelo caminho da intuição e fornecendo uma noção confiável de duração, devir e [Evolução].

[Evolução]: aceita a ^^ mas rejeita as explicações mecanicistas ou materialistas de Darwin, Lamarck e Spencer. Inspira-se no Neoplatonismo. Porque o processo de ^^ não parou nos estágios iniciais, onde os organismos simples estavam plenamente adaptados? Porque os órgãos e funções complexos teriam variado simultaneamente, como a tese de Darwin pressupõe? A solução é metafísica: se os humanos são formas de ser típicas do universo, as forças que atuam neles pode-se supor que atuam em tudo. A intuição fornece a consciência de um impulso vital (o élan) que permeia todo o processo da ^^ e é responsável por suas características dominantes. Logo, a história da vida é um processo de evolução criativa resultante desse impulso primordial, uma “corrente de consciência†que, embora não seja dirigida a um fim, penetrou a matéria para gerar organismos vivos e possibilitar a liberdade de ação. Esse impulso sem direção faz surgir desdobramentos inesperados, aleatoriamente, como o homem.

Religião. O conceito de impulso vital em ^, como uma supraconsciência, pode ser equiparado ao de Deus, mas numa acepção muito peculiar. O Deus de ^ é pura atividade, limitada pelo mundo material onde ele luta para se manifestar; é um Deus em evolução, em vez de perfeito e completo. No fim da vida ^ passou a admitir um propósito para esse impulso, dizendo que a evolução seria Deus trabalhando para gerar criadores, para ter, a seu lado, seres merecedores de seu amor. A descoberta desse propósito e da realidade de Deus é acessível por um tipo especial de intuição, a experiência mística, que induz à atividade intensa no esforço de ajudar a humanidade a avançar [2].



Notas e adendos:

[1] f. pr.: G99e.

[2] “Bergson, Henri Louis.†Complete Dictionary of Scientific Biography. 2008. Retrieved April 30, 2015 from Encyclopedia.com: http://www.encyclopedia.com/doc/1G2-2830900390.html.

[3] Conforme [2], o tempo que a ciência utiliza é uma concepção matemática, simbolizada geometricamente por uma linha, algebricamente por uma letra, e medida por instrumentos mecânicos. Tudo isso são corpos espaciais. Daí que o tempo é representado por um meio extenso, homogêneo, abstrato, composto de unidades padronizadas, não flui nem age, é puramente passivo. Mas o tempo vivido (a nossa experiência direta) é um fluxo ativo, uma sucessão irreversível de fenômenos que se fundem formando um processo indivisível, heterogêneo e concreto.

[4] O sistema sensorial do homem envia ao cérebro cerca de 11 milhões de bits de informação por segundo. A verdadeira quantidade de informação com que podemos lidar foi estimada em algo entre dezesseis e cinquenta bits por segundo ([Mlodinow, L.. Subliminar Como o Inconsciente]). V. também a teoria de Huxley sobre o cérebro funcionar como válvula redutora.

[5] Será que isso tem relação com a oposição entre raciocínio quantitativo e qualitativo? V. nota [7] em Tomás de Aquino.

[6] B2011f.

[7] A menção ao pensamento intuitivo, distinguindo-o do abstrato, vem desde Duns Scotus (B2011f 226).

[8] Kant dissera que conhecimento absoluto é impossível (B2011f 226).

[9] Ideia que reaparece em Whitehead.

[10] ^ queria descobrir se é possível conhecer algo; não apenas conhecer _sobre _esse algo. O conhecimento relativo ocorre no sentido kantiano: conhecemos algo a partir de nossa perspectiva única, particular. O conhecimento absoluto é apreensão da singularidade do objeto por conexão direta [6].