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Machado de Assis é considerado por muitos como o maior escritor brasileiro. Certamente é o mais famoso e mais lembrado. Suas obras mais conhecidas, "Dom Casmurro" e "Memórias Póstumas de Brás Cubas" teriam lançado o realismo como estilo literário no Brasil, e são campeãs de menções em vestibulares. Afrodescendente, fundador da Academia Brasileira de Letras, foi famoso e consagrado em vida. Morreu em 1908 aos 69 anos, deixando nove romances e peças teatrais, duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas. E nenhum filho.







LITERATURA | RESENHA

Memorial de Aires

Última obra de Machado, este Memorial é diferente dos outros livros do autor: exige mais do leitor, porque é enganador, traiçoeiro, mais sério e mais triste. Um livro-despedida.




22 maio 2008 | comente




Último romance do autor, publicado no ano de sua morte, este “Memorial†é o Machado mais moderno, e não só no sentido óbvio da frase. Não tem uma linha de ação clara, ou, antes, tem uma linha de ação tão monótona e óbvia que deixa o leitor distraído morto de sono, e o leitor atento intrigadíssimo. Será que Machado, viúvo e no fim da vida, estava cansado e perdeu o jeito? Não. Ele estava maduro, mais profundo e mais esperto.

O enredo, pelo menos na superfície do livro, é plano, e nele o conflito é raso e de desenlace previsível. Mas debaixo desse primeiro nível, dessa casca do livro, as verdadeiras intenções do autor estão escondidas nas entrelinhas, nos fatos metaforizados, ou que são só sintomas de outros fatos que acontecem numa camada mais embaixo.

Todo o texto se dedica a nunca falar do assunto verdadeiro, o que realmente está acontecendo nunca é dito, só insinuado. Por isso o livro tem a forma de um diário, com autor-narrador. Um observador onisciente poderia descrever (delatar) o que efetivamente se passa no coração do protagonista. Ele não. Ele não quer confessar, nem para si mesmo. Ele mente para os outros personagens, para si próprio, e para nós. A verdadeira história tem que ser escavada pelo leitor, de entre as páginas. É um livro trabalhoso. O leitor que tentar passar por ele apenas correndo os olhos sentirá tédio, ou sentir-se-á logrado. Mal saberá que foi, realmente, tapeado. Caiu no conto do Memorial, o conto do diário mentiroso.

Este é um livro especialmente triste. Dos que li do Machado 2, o mais triste. Mas, curiosamente, é o livro onde ele usa o tom mais leve, mais, digamos, casual. Não transparece aquele azedume típico de Machado, como se ele, no fim da vida, tivesse resolvido se livrar do rótulo de rabugento. Mas, também nisso, está envolvido um engodo, ou uma estratégia: como o tema do livro é essencialmente pesado, o acento pessimista e as tiradas ranzinzas se tornam dispensáveis, ou menos eficientes. A tentativa do autor-narrador de parecer conformado, ou tranquilo, é mais desoladora do que seria sua revolta, ou a ironia. O pessimismo resulta desse contraste entre letra despreocupada e a melodia aflita, a forma clara e o fundo negro. Então concluo que o pessimismo é mais intenso que antes, só que mais sutil, subreptício.

“Amor, partido grande entre os partidos, tu és o mais forte partido da terraâ€
Podendo escolher qualquer outra época para situar a narração, Machado escolheu os últimos meses do Império, de quem o protagonista era funcionário destacado. Fazer do protagonista embaixador, isto é, representante do Império, é torná-lo, no campo metafórico, representante daquele período e modo de pensar o mundo. Situando o relato nos instantes finais de caduquice e extinção do Império, Machado cria um paralelismo interessante, de novo entre forma e fundo. No fundo está velho e às portas da morte o Regime, e no primeiro plano está envelhecendo e se preparando para a morte o seu representante.

O protagonista não trata diretamente desses dois processos. Apenas registra em seu diário a história — chatíssima — de uma aposta juvenil que celebrou com sua irmã, à moda das “Ligações Perigosas†3: apostou que conquistará uma viúva, supostamente fiel ao marido morto. O andamento desse plot toma todo o livro, com os incidentes padrão que o leitor adivinha (o surgimento de um segundo rival, a opção final da viúva por um dos três, o protagonista, o rival ou o marido morto). O enredo é retilíneo e sem surpresas. Ao contrário, é uma sucessão sem fim de conversas tediosas. Essa crosta congelada é o primeiro plano. A verdadeira saga, onde ocorrem as reviravoltas e a metamorfose, é subterrânea, subliminar. Esse subtexto é movimentado, cheio de conflito e tensão, a começar porque o próprio protagonista nega sua existência.

“O homem aceitará algemas, se as houver bonitasâ€
É um livro chato de ler, porque o tema é doloroso. Trata-se de aprender a aceitar a morte, fazer amizade com ela. É o relato da jornada do protagonista para aprender isso. Ele tem que aprender a sublimar a sua libido adequando-a à nova fase da vida. Tem que aprender a converter o amor sexual que sente pela viúva em amor paternal. É essa metanoia 4 que Machado quer relatar, mas o protagonista, que resiste à decadência, porque a teme, enche seu diário de incidentes frívolos, no meio dos quais o leitor-analista tem que desencavar o significado psicológico dos gestos.

A solidão e o abandono são temas recorrentes no livro, porque são fenômenos que gravitam em torno da velhice, e o livro é sobre velhice. O protagonista começa a jornada se identificando com a juventude e a beleza, e termina reconhecendo-se, conhecendo-se como velho, despedindo-se do complexo de emoções que seu interesse original pela viúva representava, e aceitando sua nova identidade, sua vinculação com os outros personagens, os de pé-na-cova. Conclui, dolorida e relutantemente, que o escopo do seu momento vital não condiz com apostas juvenis: está em procurar quem lhe possa ajudar a morrer, e também em ajudar os companheiros a morrer 5.

As pistas que o diário vai fornecendo, acerca da transformação íntima do herói, são sutis. Ele diz em mais de uma passagem que a viúva é seu objeto de estudo (porque não se confessa a paixão que sente por ela), mas na verdade ele é seu próprio material de estudo, e o diário é o registro das observações. Percebe os amigos padecendo de doenças da velhice. Ao seu lado o nota os contemporâneos morrendo de morte natural (para lembrar, a nós e a ele, que a morte é natural). Depois sente em si próprio os achaques da idade: o reumatismo nas pernas, depois no dedo, depois os olhos cansados de ver. Passa por períodos em que não escreve, não sai de casa, não quer ver ninguém. Quando o criado acha uma mala de cartas, provavelmente recordações de amores passados, ele se irrita, reluta, mas queima tudo: está queimando o passado porque está se despedindo da vida, como quem queima os navios 6 porque sabe que a viagem não tem volta. No princípio vacila em anotar sua idade real, mas ao final já a admite, e confessa. Sua metanoia está completa, e já pode dizer, contemplando o amor da bela ex-viúva com o novo marido: “já não sou deste mundoâ€.

Então os conflitos que realmente dão corpo e sentido ao livro não são os da superfície. Não é tão relevante a previsível escolha que a viúva faz entre os pretendentes. São bem mais mobilizadores os conflitos internos dos personagens, que o diário só insinua. Primeiro, o conflito íntimo do protagonista, entre perseguir uma derradeira aventura amorosa ou fazer as pazes com a velhice e engendrar a partir dessa aceitação um novo sentido para sua vida. Acima desse, porque mais comovente, o conflito interno do novo casal, que tem de decidir entre permanecer no Brasil e ajudar os pais adotivos a morrer, ou construir a vida em outro lugar, com perspectivas mais largas 7. Essa é, provavelmente, a decisão em relação à qual o leitor percebe um suspense interessante.

“Tudo é matéria a línguas agudasâ€
A trajetória do enredo psicológico é relatada nas entrelinhas, não só quanto ao autor do diário, mas também, e especialmente, em relação aos seus coadjuvantes. Aires escreve um inventário dos gestos dos personagens, mas não os interpreta explicitamente. O leitor é quem tem de interpretar esses gestos, atribuir-lhes significado. Isso é que fornece um atrativo especial ao livro. Ao leitor cabe tentar “ler†o que se passa no coração da viúva, para onde está rumando seu querer, quando ela aceita tocar o piano depois de tanta relutância, e num contexto bem específico; o que significa, em termos emocionais, a decisão de pintar um quadro, especialmente quando vem logo depois do pretendente desenhar paisagens da antiga fazenda; o que significa se interessar pelo tricô, ou resolver vender as terras dos antepassados, na conjuntura em que ela se achava; por que ela precisa, pouco antes do desfecho, ir visitar o túmulo do marido num horário impróprio, longe das vistas de testemunhas. Aires e Machado vão alinhando as pistas, e deixando ao leitor o trabalho de montar o quadro da evolução emocional da personagem.

No fim das contas, há um contraste e um espelhamento interessantes, que Machado traça sutilmente: deu a entender, no começo, que ia contar a história de uma tentativa de sedução. E contou, só que não a que o leitor previa. O “Memorial†trata, sim, de uma tentativa frustrada de sedução: Carmo e Aguiar é que tentam conquistar Tristão e também Fidélia, e falham. Então, ao contrário do que parece no primeiro plano, não é uma história de amor com final feliz, mas de amor frustrado, de abandono.

A cena final é mesmo tocante, e é difícil não enxergar a premissa autobiográfica do livro, especialmente ali. É uma obra escrita por um homem — dois homens, pensando bem, Aires e Machado, que se despedem da vida, e já sentem saudades de si mesmos. O protagonista, em nome do autor, se reconcilia com a velhice e a morte, e declara: “eu mesmo cheguei a mim mesmoâ€. Reconheceu-se. E o final é mais triste porque esse reconhecimento é a aceitação resignada da inexorabilidade do ciclo da vida, e do acerto da solução final do conflito principal. “A mocidade tem o direito de viver e amar, e separar-se alegremente do extinto e do caducoâ€. Logo, era inevitável que Fidélia e Tristão cumprissem o papel que lhes cabe no conflito, abandonando os pais adotivos. Matar os pais, simbolicamente, isto é, libertar-se deles para viver autonomamente, é papel social do jovem, e Édipo, Orestes e Hamlet aí estão para fazer companhia literária a Tristão. Este só se destaca no modelo porque mata os pais duas vezes, já que é um filho pródigo deixando o lar pela segunda vez.

“Nada há mais tenaz que um bom ódioâ€
Em suma, é um livro moderno. A prosa de ficção antiga, clássica, dependia do enredo, da reviravolta, da surpresa, para funcionar. A catarse e a função iniciática da literatura eram cumpridas mediante acontecimentos patéticos, que deviam comover o leitor. Na ficção moderna o enredo é secundário e a movimentação relevante se dá na psicologia dos personagens: a história que se passa no interior do personagem é mais importante que os episódios externos, do mundo físico. Esse “Memorial†é moderno por isso, porque é o livro em que Machado menos desenvolve um enredo de episódios e conflitos externos, e se concentra mais nos efeitos que os poucos fatos produzem na paisagem interna dos protagonistas.

Derivando disso aparece outro aspecto moderno da obra: a construção da dramaticidade a partir de tragédias mínimas. Os gregos do tempo de Homero precisavam de heróis que enfrentavam monstros, cumpriam missões impossíveis, matavam os próprios filhos ou dormiam com a própria mãe. O homem moderno, chegando no mundo depois de Copérnico, Nietzsche, Darwin, Freud e Oppenheimer, não precisa dessas grandes catástrofes. Freud 8 foi quem escreveu que ele próprio, e mais Copérnico e Darwin, produziram as três grandes feridas na vaidade humana: Copérnico provou que a Terra (e o homem, por extensão) não era o centro do universo; Darwin descobriu que o homem tinha uma origem menos nobre do que pensava; Freud demonstrou, com a psicanálise, que dentro do homem mesmo havia forças que ele próprio não conhecia e não era capaz de controlar. Ou seja, Copérnico mostrou que o homem não é senhor do universo; Darwin, que o homem não é o senhor da Terra, mas apenas um dos seus bichos; Freud, que o homem não é senhor nem de si mesmo. Nietzsche ficou famoso pela afirmação de que Deus morreu: quis dizer, com isso, que os valores do cristianismo estavam superados e o homem está órfão no mundo, tem de revalorá-lo por conta própria e tem de definir seu próprio sentido 9. Oppenheimer 10 foi o pai da bomba atômica, que estabeleceu, no mundo dos fatos e também no imaginário coletivo, a certeza de que o homem é provisório e flerta com a extinção. O homem moderno, ciente de não ser o personagem principal do drama cósmico, sem poder sobre o mundo nem sobre si mesmo, órfão de Deus e consciente da própria transitoriedade, não precisa de Medusas nem Minotauros para ficar angustiado e cheio de dúvidas: o heroi agora está em conflito pelo simples fato de existir, sem um sentido predeterminado, num mundo sem certezas. A calamidade é nascer, e saber que vai morrer; isso basta, como tragédia, para qualquer ser humano, e qualquer herói literário moderno. A grande aventura do homem, desde Joyce 11, é a epopeia do dia-a-dia, o périplo ao redor da mediocridade da existência comum cotidiana. O herói moderno não precisa mais do dragão: a mera passagem imperturbável do tempo já é, por si, antagonista bastante. O romance moderno não precisa tratar de grandes aventuras: a pequena aventura da vida é, por si, bem arriscada.

“Não se perde nada em parecer mau; ganha-se quase tanto como em sê-loâ€
É que nossa vivência emocional, como lembra James Wood, não se desenrola em termos kantianos de coerência, princípios e universalidade, mas em termos de incoerência e dúvida, porque as pessoas são essencialmente incoerentes e decidem seu rumo conforme o andamento; os verdadeiros conflitos do dia-a-dia não são embates entre crenças ou sistemas claramente demarcados, mas conflitos internos entre desejos antagônicos, bem mais difíceis de resolver. Nem por isso, diz ainda Wood, esses conflitos “brandos†são menos interessantes que os dilemas dos heróis gregos, porque o leitor se identifica com o protagonista que não tem uma vida muito feliz nem muito infeliz, mas apenas adequada, marcada pelos pequenos embates e concessões de todo dia.

O “Memorial†antecipa isso. A forma de narrar ainda é a antiga, nada de fluxos de consciência 12 ou escrita livre indireta 13, apenas um diário escrito em 1ª pessoa pelo autor-narrador. Mas o conteúdo é pré-modernista: cinco anos antes de “Em busca do tempo perdido†e 14 anos antes do “Ulissesâ€, para construir o drama Machado já não recorre a amores impossíveis, adultérios, rivalidades bíblicas entre irmãos, reviravoltas da fortuna. Os heróis já estão às voltas com os dilemas aparentemente triviais da vida normal: tentar ou não um novo romance, casar ou não casar, deixar ou não os pais, morar neste ou naquele lugar. É na dimensão trágica da mediocridade que decorre a odisséia do cotidiano, e por isso o romance moderno funciona à base das microtragédias da pessoa comum.




frases anotadas

“Uma coisa é citar versos, outra é crer neles. Eu li há pouco um soneto verdadeiramente pio de um rapaz sem religião, mas necessitado de agradar um tio religioso e abastadoâ€.


“Deus, quando quer ser Dante, é maior que Danteâ€.


“a verdade pode ser às vezes inverossímilâ€.


“não se perde nada em parecer mau; ganha-se quase tanto como em sê-loâ€.


“a vida, mormente nos velhos, é ofício cansativoâ€


“nada há pior que a gente vadia, — ou aposentada, que é a mesma coisa; o tempo cresce e sobra, e se a pessoa pega a escrever, não há papel que basteâ€


“tudo serão modas neste mundo, exceto as estrelas e euâ€


“nada há mais tenaz que um bom ódioâ€


“não há alegria pública que valha uma boa alegria particularâ€.


“já acho mais quem me aborreça do que quem me agrade, e creio que esta proporção não é obra dos outros, e só minha exclusivamente. Velhice esfalfaâ€.


“o acaso também é corregedor de mentiras. Um homem que começa mentindo disfarçada ou descaradamente acaba muita vez exato e sinceroâ€.


“É regra velha, creio eu, ou fica sendo nova, que só se faz bem o que se faz com amorâ€.



“amor ou eleições, não falta matéria às discórdias humanasâ€.


“Se eu não tivesse os olhos adoentados dava-me a compor outro Eclesiastes, à moderna, posto nada deva haver moderno depois daquele livro. Já dizia ele que nada era novo debaixo do sol, e se não o era então, não o foi nem será nunca mais. Tudo é assim contraditório e vago tambémâ€.


“Trocamos os nossos aborrecimentos, quer dizer que os somamos, e ficamos com o dobro cada umâ€.


“Toda filha moça é eterna para as mães envelhecidasâ€.


“a tristeza é que é cabisbaixa, a alegria distribui os olhos felizes à direita e à esquerda; alguma vez ao céu tambémâ€


“Ainda não encontrei encantadora que o não soubesseâ€.


“Tudo é matéria a línguas agudasâ€.


“A diplomacia me ensinou a aturar com paciência uma infinidade de sujeitos intoleráveis que este mundo nutre para os seus propósitos secretosâ€.


“Eu gosto de ver impressas as notícias particulares, é bom uso, faz da vida de cada um ocupação de todos. (…) Tempo há de vir em que a fotografia entrará no quarto dos moribundos para lhes fixar os últimos instantes; e se ocorrer maior intimidade entrará tambémâ€.


“Tudo passa, até os cunhadosâ€.


“Não há como a paixão do amor para fazer original o que é comum, e novo o que morre de velhoâ€.


“o homem aceitará algemas, se as houver bonitasâ€


“Amor, partido grande entre os partidos, tu és o mais forte partido da terraâ€.


“e andam críticos a contender sobre romantismos e naturalismos!â€


“Tal era a vontade do Destino. Chamo-lhe assim, para dar um nome a que a leitura antiga me acostumou, e francamente gosto dele. Tem um ar fixo e definitivo. Ao cabo, rima com divino, e poupa-me a cogitações filosóficasâ€.


“se os mortos vão depressa, os velhos ainda vão mais depressa que os mortos … Viva a mocidade!â€






bibliografia

Burton, Gideon O. (2015). Metanoeia. In “Silva Rhetoricaeâ€, Brigham Young University, recuperado em 16/06/2015, 10h45m., aqui.


Campbell, Joseph (1949). O herói de mil faces (The hero with a thousand faces). Trad. Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Cultrix Pensamento, 1993.


Freud, S. (1917). Uma dificuldade da Psicanálise. Trad. Paulo César de Souza. In: Freud, S., Obras completas, v. 14. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p.180. ISBN 978-85-8086-038-2.


Hesse, Hermann (1919). Demian. 7ª ed., trad. Ivo Barroso. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1972.


Jaffé, Aniela (2000). O simbolismo nas artes plásticas. In: Jung, C. G. et allii (2000). O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro : Ed. Nova Fronteira.


Jatobá, João Felipe Brandão (2012). Fluxo de consciência. In: Ofício Literário. Disponível aqui. Acessado em 23/06/2015, 14h21m..


Lage, Claudia (2010). Ulisses a Ulisses (Canto II). In: Pereira, Rogério (editor). Jornal Rascunho. Curitiba : Gazeta do Povo, dezembro 2010. Disponível aqui. Acessado em 23/06/2015, 12h17m..


Marton, Scarlett (1990). Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos. São Paulo : Brasiliense, 1990. ISBN: 85-11-12058-0.


Nietzsche, Friedrich (1882). A Gaia Ciência (Die fröhliche Wissenschaft). Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia Das Letras, 2001.


Ross, Don (2014). Game Theory. In: Stanford Encyclopedia of Philosophy. Recuperado em 16/06/2015, 11h13m., aqui.


Salviano, Ailton (2005). Quem realmente queimou os navios? In: O Mossoroense, 19 out. 2005. Recuperado em 16/06/2015, 11h19m., aqui.


Wood, James (2008). Como funciona a ficção (How fiction works). Trad. Denise Bottman. São Paulo : Cosac Naify, 2012. ISBN 978-85-405-0168-3.








Notas


  1. Todos os direitos reservados, reprodução e distribuição proibidas. Para citar no todo ou em parte este trabalho, mencione a fonte assim: “Santos, Alberto Marques dos (2015). Memorial de Ayres, uma resenha. Disponível em www.albertosantos.org. Acessado em DATA†(coloque a data em que acessou).↩


  2. Ou seja, Memórias Póstumas, Quincas Borba, Dom Casmurro e vários contos. Não li a fase romântica (salvo Helena), então não dou palpite a respeito.↩


  3. “As ligações perigosas†é o título de um romance epistolar de Choderlos de Laclos publicado em 1782 e onde os protagonistas, nobres dissolutos e desocupados, divertem-se destruindo reputações. O plot principal trata de uma aposta sobre as chances de um deles, Valmont, seduzir uma vítima inocente. Já foi adaptado várias vezes para o cinema: por Roger Vadin em 1959, por Stephen Frears em 1988, por Milos Forman em 1989 e por Roger Kumble em 1999.↩


  4. Mudança de pensamento, de ideia, de modo de viver, conversão moral ou espiritual, ou reconstrução psicológica (Burton, 2015).↩


  5. Ensina Joseph Campbell (1949, prólogo): “Sigmund Freud enfatiza em seus escritos as passagens e dificuldades da primeira metade do ciclo de vida humano, aquelas vivenciadas na infância e na adolescência, quando o nosso sol se aproxima do zênite. C. G. Jung, por sua vez, enfatizou as crises da segunda metade quando, para evoluir, essa esfera brilhante deve submeter-se a descer e desaparecer, finalmente, no útero noturno do túmulo. Os símbolos normais dos nossos desejos e temores transformam-se, nesse entardecer da vida, em seus opostos; pois, nesse ponto, já não é a vida, mas a morte, que constitui o desafio. Portanto, não é difícil deixar o útero; a dificuldade reside em deixar o falo, a não ser, é verdade, que o amargor da vida já tenha tomado posse do coração, situação na qual a morte atrai como a promessa de bênção que era antes representada pelo encantamento amoroso. Percorremos um círculo completo, do túmulo do útero ao útero do túmulo: uma ambígua e enigmática incursão num mundo de matéria sólida prestes a se diluir para nós, tal como ocorre com a substância do sonho. E, rememorando aquilo que prometia ser nossa aventura ímpar, imprevisível e perigosa, tudo o que encontramos, no fim, é a série de metamorfoses padronizadas pelas quais homens e mulheres, em todas as partes do mundo, em todos os séculos de que temos notícia e sob todas as aparências assumidas pela civilizações, têm passadoâ€.↩


  6. Queimar os navios é uma imagem frequentemente lembrada para indicar ruptura com o passado ou renúncia a qualquer possibilidade de retrocesso ou arrependimento. Evoca exemplos históricos ou mitológicos de aventureiros, exploradores ou guerreiros que, chegados ao destino, destroem os meios de regresso para firmar a definitividade ou irreversibilidade da nova situação. São geralmente lembrados os exemplos do conquistador espanhol Cortez, que teria praticado esse gesto, de forma ostensiva, ao chegar ao México, para deixar claro a seus soldados que a única chance de sobrevivência seria sobrepujar os nativos (e, simultaneamente, mostrar aos nativos a seriedade do seu intento) (Ross, 2014). Também se mencionam os casos (ou lendas) de um Agátocles grego que teria conquistado Cartago em 317 a. C., Guilherme I às vésperas da Batalha de Hastings (em 1066) (Salviano, 2005), e um general berbere, Tariq ibn Ziyad, que teria praticado o mesmo gesto ao iniciar, por Gibraltar, a conquista moura da Hispânia (em 711 ou 718) (fonte).↩


  7. Eles se veem naquele dilema lembrado por Hesse (1919, p.120): “Todo homem, por mais bondoso que seja, tem que vulnerar uma ou várias vezes em sua vida as belas virtudes da piedade filial e da gratidãoâ€.↩


  8. Freud, 1917.↩


  9. “Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje!†(Nietzsche, 1882, §125). Como explica Marton (1990), ao afirmar que “Deus está morto†Nietzsche quer dizer que o mundo supra-sensível não tem poder eficiente, é ilusório, e o homem tem de considerar o mundo sensível como o único verdadeiro. E Jaffé (2000) interpreta a expressão como indicando a última etapa do mito agonizante do homem virtuoso do humanismo, a derrota da consciência: tudo o que já ligou o homem ao universo, à terra, ao tempo, ao espaço à matéria e à vida natural foi rejeitado ou destruído.↩


  10. Vide aqui.↩


  11. A Odisseia, obra do séc. VIII a. C. atribuída a Homero, é um dos livros mais conhecidos da história. Relata as peripécias e sofrimentos do herói grego Ulisses, em sua jornada de dez anos para voltar para casa, enfrentando humanos e ciclopes, sereias, deuses e catástrofes naturais, depois de ter guerreado em Tróia por outros dez anos. James Joyce (1882-1941), escritor irlandês, publicou em 1922 sua obra mais famosa, “Ulissesâ€, frequentemente lembrado nas listas dos preferidos da crítica, e listado entre os 100 melhores livros do séc. XX (fonte). Considerado revolucionário, o livro evoca e relê a Odisseia, mas condensa a jornada do herói, um agente publicitário, num período de 24 horas, no dia 16 de junho de 1904. É a jornada de um homem comum num dia de vida comum. Lage (2010) compara os dois Ulisses, o de Homero e o de Joyce: “o que um tem de heróico, o outro tem de ordinário, o que um tem de certezas, o outro tem de dúvidas. O herói moderno de Joyce não possui uma nobre missão a ser cumprida. A sua meta se faz e refaz a cada instante. Enquanto a odisséia de Homero ocorre no mundo exterior, em um mundo de conceitos absolutos e verdades inabaláveis, a odisséia de Joyce se faz internamente, no estado caótico de um mundo partido de verdades individualizadas e variáveisâ€.↩


  12. “O termo “Fluxo de Consciência†(do inglês, ‘Stream of Consciousness’), foi criado pelo psicólogo William James, apresentado em sua principal obra Princípios de psicologia (1890). William James criou este termo para demonstrar a continuidade dos processos mentais, que não se manifesta fragmentadamente, em pedaços sucessivos, mas num “fluxo†contínuo de pensamentos. A literatura apropriou-se deste termo para denominar as técnicas literárias nas quais há uma tentativa de representação dos processos metais e dos pensamentos dos personagens, tais como ocorreriam em suas mentes†(Jatobá, 2012). Um exemplo de Clarice Lispector: “O homem nada poderia fazer senão esperar que a primeira penumbra lhe revelasse um caminho. Enquanto isso poderia dormir no chão que, distanciado pelas trevas, lhe pareceu inalcançável. Já não mais atiçado pelo perigo, desaparecera a sagacidade que lhe seria agora apenas um entrave. E de novo o embrutecimento suave o dominava. O chão era tão longe que, abandonando o corpo, este por um instante experimentou a queda no vácuo. Mal porém tocara numa terra que aos seus pés se esquivara, e esta instantaneamente se desencantou em algo resistente, cujas duras rugas estáveis pareciam as do céu da boca de um cavalo, o homem estirou as pernas e encostou a cabeça. Agora que se imobilizara, o ar afiara-se e doía extremamente limpo. O homem não estava com sono mas no escuro não saberia o que fazer da grande vigília. Além do mais não tinha assunto†(A maçã no escuro).↩


  13. Para entender o que é discurso livre indireto é preciso lembrar que na narrativa em prosa há duas vozes concorrendo: a do narrador e a do personagem. Tradicionalmente as falas do narrador e as do personagem são bem separadas e demarcadas. No discurso direto, a fala do personagem é destacada entre aspas, ou por travessões (por exemplo: “Vou me atrasarâ€, disse Cláudio, e João retrucou: “Sem problemaâ€). No discurso indireto “tradicional†o narrador conta o que o personagem disse, mas deixando claro o que é fala dele, narrador, e o que é fala do personagem (por exemplo: Cláudio disse que chegaria atrasado, e João respondeu que não havia problema). O discurso indireto livre (também chamado estilo indireto livre, ou diálogo indireto livre, ou terceira pessoa íntima, ou escrita íntima) é um discurso misto, onde o narrador insere as falas (ou pensamentos) do personagem entre as suas, sem marcação ou destaque, cabendo ao leitor descobrir quem está falando ou pensando. Aqui um exemplo de James Wood: “Ele olhou a esposa. É, ela estava tediosamente infeliz de novo, quase doente. Que raio diria ele?†O trecho “Ele olhou a esposa†é fala do narrador. O resto é pensamento do personagem, é o personagem conversando consigo mesmo. Wood diz que a história do romance como gênero literário se confunde com a história do estilo indireto livre. Mas explicações e exemplos aqui (com exemplos de Lygia Fagundes Telles e Clarice Lispector), aqui e nos artigos de Raimundo Carrero aqui e aqui.↩