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História da Filosofia Brasileira

    F. de l. da obra: Engelmann, A. A.; Engelmann, D. A. & Corrêa, M. E. L.. História da filosofia no Brasil. Curitiba: Intersaberes, 2015 (abr. loc.: E2015h)


Sumário


apresentação

Objetivo da obra
Objetivo: narrar a história das ideias que subjazem ao desenvolvimento da sociedade brasileira, em busca de saber como e porque construímos nossa história como ela se deu.

ideias vigentes ao tempo da colonização

Dependência intelectual: pensamento brasileiro está vinculado às ideias europeias (à ideia europeia do catolicismo, especialmente) desde sempre.

Pensamento em Portugal no início da colonização
Pensamento que predominava em Portugal no tempo do início da colonização brasileira era uma mistura das ideias da Idade Média (teocentrismo) com as do Renascimento (antropocentrismo). Surgiram na Europa, nesse tempo, duas correntes filosóficas e duas histórias:
    (a) uma, a da América anglo-saxônica (influência do Renascimento, antropocentrismo, Reforma religiosa, educação pública, adoção do espírito do Calvinismo),

    (b) outra, a da América católica (influência medieval-católica, teocentrismo, influência do Concílio de Trento e da Contrarreforma, economia feudal sem mobilidade social nem instrução).
Concílio de Trento
Concílio de Trento (1545-1563). Finalidade: lançar a Contrarreforma em resposta ao protestantismo: (a) reorganizou a Inquisição, (b) tornou laico o ensino nas universidades (aboliu o curso de teologia), (c) criou seminários para formação de padres, (d) enclausurou os religiosos.

Causas da Reforma Protestante
Causas da Reforma Protestante: cristianismo foi religião oficial do império romano desde 476; a Europa foi cristã em sua quase totalidade desde então. No séc. XVI (a) a igreja estava afastada de suas doutrinas originais, (b) enfrentava uma crise moral; (c) o desenvolvimento das monarquias regionais permitiu aos súditos, falantes da mesma língua, se identificarem mais com o soberano local do que com a autoridade papal; (d) a burguesia se opunha à proscrição que a igreja fazia do acúmulo de dinheiro e empréstimos a juros.

Características da Reforma de Lutero
Características da Reforma de Lutero: (a) crença na autonomia da razão humana; (b) por isso, livre interpretação da bíblia; (c) um “complexo” contra a filosofia (porque fora cooptada e subordinada à teologia), a escolástica, Aristóteles e Tomás de Aquino; (e) proposta de retorno aos “clássicos”; (f) proposta de salvação pela fé em vez de predestinação.

Efeitos da Reforma
Efeitos da Reforma: (a) fim da hegemonia do catolicismo; (b) divisão da Europa entre católica e protestante; (c) surgimento da escola pública com professores leigos pagos pelo Estado; (d) abriu caminho para o Calvinismo; (e) gerou a Contrarreforma (Concílio de Trento e fundação da Companhia de Jesus; (f) países que se alinharam com a Contrarreforma passaram ao isolamento político, social, comercial.

característica do calvinismo
O Calvinismo (fundado em 1531 por João Calvino) pregava a teoria da predestinação: Deus escolheu o que cada um será, independentemente do querer ou agir do sujeito. Acúmulo de riquezas (assim como a vida reta e honesta, e a ascensão pelo trabalho) era sinal de ter sido eleito por Deus. Defendia a ideia de lucro, a visão do trabalho como dignificante. Influenciou os EUA.
    m.c.: Segundo o autor, Portugal, Espanha e demais países que se isolaram no mundo da Contrarreforma católica repudiavam o lucro e o acúmulo de riquezas, razão porque os protestantes e judeus dominaram as atividades comerciais e bancárias no Brasil.

filosofia no período colonial

Jesuítas foram os educadores no Brasil desde 1549 até 1759, quando foram expulsos. Primeira escola fundada em 1551, e em 1572 os 1ºs cursos de filosofia e teologia. Nóbrega (que chegou em 1553) disse: “esta terra é nossa empresa”. Sua presença corresponde ao 1º período da “filosofia brasileira”, chamado período escolástico ou moralista (pensamento moralista ou moralismo).

divisão de períodos no pensamento colonial
Adotando as ideias do Concílio de Trento e pondo-se na contramão da Reforma, Portugal iniciou o movimento da 2ª escolástica portuguesa, divido em duas fases:
    1. — período barroco (1500-1650), escolástica da Contrarreforma

    2. — período tomista (1650-1750): volta às ideias filosóficas rígidas da escolástica mais Inquisição; influência dos jesuítas, dura até a expulsão (1750).
Contraditoriamente, o autor também divide o período colonial por outro critério:
    1. — período escolástico, do descobrimento até 1773, data da adoção da obra de Genovesi como livro oficial;

    2. — período iluminista, de 1773 a 1822.
Sistema educacional dos jesuítas, características
Sistema educacional dos jesuítas (também ditos “inacianos”), com base na “Ratio Studiorum” de 1586 (ou seria 1599?):
    (a) prioridade: sustentar a pureza da fé (lema: “ad maiorem Dei Gloriam”); ensina o “saber da salvação”;

    (b) no cimo do saber, a teologia, subordinando todos os ramos do conhecimento;

    (c) censura a ideias ou teorias que contradigam a doutrina oficial;

    (d) ruptura com a cultura positiva;

    (e) ortodoxia, dogmatismo: não visa desenvolver capacidade crítica mas incutir no aluno uma doutrina e prepará-lo para defendê-la; sustentar a fé pela razão.

    (f) enfatiza caráter negativo da corporeidade e das tarefas terrenas, funda-se na concepção de homem como criatura divina de passagem pela Terra; quer manter a divindade do homem por meio da moral.
Contexto: a urbanização e a ascensão da burguesia (m.c.: no Brasil? Em 1600?) tornaram a sociedade mais complexa, criando gosto pela racionalidade; isso tornou necessário um trabalho de argumentação lógico racional e fez da filosofia estudo obrigatório do teólogo.

ecos e efeitos do ensino jesuíta
Efeitos do ensino jesuíta se desdobram na pedagogia tradicional, que tem uma visão essencialista do homem, isto é, homem dotado de essência universal e ideal, à qual a educação deve moldar a existência particular real de cada sujeito.

o método da Ratio Studiorum
O método da Ratio Studiorum: quatro etapas: leitura, glossa (comentários), quaestio (questões), disputatio (discussão). Repetições diárias/semanais. Apresentação de dissertação de filosofia ou teologia ao superior. Corretivo físico, quando aplicado, o era por terceiro, contratado para esse fim.

um conceito de filosofia
A latere: um conceito de filosofia: a filosofia nasce da inquietação causada pela percepção dos mistérios ocultos no mundo e no próprio homem; é o esforço do pensamento para (a) construir conhecimento, (b) desvelar fenômenos e entes; (c) visando transcendê-los e dar-lhes sentido. O esforço que o homem vem fazendo para compreender o mundo e a si próprio e dar-lhes sentido (p.46 e 64).


o ecletismo iluminista

o amálgama da escolástica com o iluminismo
O iluminismo católico resultou do amálgama entre a escolástica medieval (que separava escola e vida e distanciava os alunos do mundo, dando-lhes conhecimentos ineficazes para a vida prática) e o iluminismo (que cria na capacidade do homem de construir o próprio destino por meio do conhecimento prático). Esse iluminismo católico, também dito ecletismo, é só a escolástica vestida com a roupagem moderna das Luzes.

contexto do ecletismo: reformas pombalinas
O ecletismo surge da “renovação conservadora” que o Marques de Pombal implantou em Portugal desde 1755, com atitude reformista mas não revolucionária, pois queria (a) salvaguardar a revelação e a fé caras ao português e (b) livrar Portugal da influência inglesa (e por isso recusava as ideias de Locke e Hume), (c) fortalecer o Estado (sem preocupação com as questões da consciência e da liberdade); (d) em suma, conciliar a teoria do Estado moderno com as exigências cristãs.

teorias e propostas de Antonio Genovesi
Pombal fez da obra do italiano Genovesi (†1769) livro oficial. Características e ideias centrais: (a) empirismo mitigado: nossas ideias nascem em parte dos sentidos e em parte da conjectura da alma; (b) crítica a Aristóteles e Tomás de Aquino sem explicitar sua inspiração em Locke; (c) aconselha por fim à cultura das palavras e dedicar-se à cultura das coisas; (d) mais interessado nos costumes e necessidades que em essências e substâncias; (e) tem ares de modernidade mas preserva visão ibérica de mundo, defendendo a fé e preservando a teoria do silogismo (cético-eclético).


espiritualismo eclético no Brasil

Espiritualismo eclético ou ecletismo espiritualista foi a 1ª corrente filosófica estruturada com rigor no Brasil, entre 1840-1880. Proposta: (a) conciliar os valores tradicionais com anseios de modernidade, (b) adotar o liberalismo político e econômico e (c) manter a unidade nacional; (d) dar fundamento à prática da representação política; (e) superar a antítese da escolástica portuguesa entre o cristianismo e as ciências e, assim, solucionar a problemática do homem.

Contexto: quer responder a dois problemas deixados pelo empirismo mitigado: consciência e liberdade.

Inspiradores:
    1. — Victor Cousin (†1867): oscila entre três aspectos contraditórios: (a) ecletismo como método (historicismo), (b) método psicológico elevado à condição de fundamento último da filosofia; (c) espiritualismo.

    2. — Maine de Biran (†1824): maior influência; ideia: superar o sensualismo e o racionalismo, buscando um meio termo, o intuicionismo
Etapas no Brasil: 3 ciclos:
    1. — de formação, 1833-1848; Frei José do Espírito Santo, em Salvador, 1830, foi o 1º a divulgar a doutrina de Cousin. Primeiras obras em 1840.

    2. — do apogeu, 1850-1870. Ciclo da filosofia oficial, porque Pedro II a tornou obrigatória nos liceus. Nessa fase o problema do conhecimento cede lugar à questão da moral.

    3. — do declínio ou superação (década de 1880): surgimento da Escola do Recife e do positivismo.
Filósofos que se destacaram:
    1. — Ferreira França (†1857). Tratou do tema da introspecção com rigor da observação empírica e constatou a existência do espírito; buscou uma filosofia para exercício da liberdade política.

    2. — Gonçalves de Magalhães (†1882), (Visconde do Araguaia). Busca construir a ideia de nação; explica o homem em termos puramente espiritualistas, negando os valores do mundo corpóreo; o universo sensível só tem existência em Deus (é pensamento de Deus).

    3. — Visconde do Uruguai (Paulino Soares de Sousa) (†1866): dedicou-se ao pensamento político brasileiro, buscando uma estruturação lógica para o Império e respostas para a questão de como tornar governável o Brasil.
Crise e decadência: a partir de 1880 a corrente eclética se desvaneceu diante da ascensão de três novas correntes: o darwinismo, o determinismo monista e o positivismo.


o positivismo

a escola positivista

Doutrina de Auguste Comte: doutrina que se pretende científica e altruísta; objetivo: uma cultura única capaz de unir Oriente e Ocidente, gerando progresso para a humanidade e bem-estar social; método: física social.

o contexto do positivismo
o contexto do Positivismo: surge da Revolução Industrial, da Independência dos EUA (1776), da Revolução Francesa (1779), dos ideais de liberdade do início do Século XX. Tais ideais se fundavam em duas correntes antagônicas:
    (a) liberalismo, um tipo de racionalismo abstrato, que defendia a liberdade individual e da natureza humana como base da lei natural; não se conciliava nem com o empirismo (que valorizava a experiência dos sentidos) nem com o materialismo que via na matéria e em suas leis a existência;

    (b) e cientificismo, que queria explicar todos os fatos e valores por uma única lei natural.
O positivismo quer, assim, superar as duas correntes políticas de seu tempo: 1. — a conservadora, que dizia que os problemas sociais derivavam da destruição da ordem anterior (a medieval), e 2. — os novos iluministas, que diziam que os problemas vinham de a ordem anterior não ter sido completamente destruída, e por isso a revolução devia continuar.

ideias principais do positivismo
As ideias principais do positivismo foram (vide adiante, em separado, as ideias políticas do positivismo):
    1. — atribui as explicações a fatores humanos (contra a metafísica, a teologia e “o primado da razão” (?));

    2. — abandona a busca pelas causas e privilegia a determinação de leis: deixam de tentar explicar os “porquês” e buscam explicações de fenômenos práticos da vida cotidiana, os “comos”; propõe desprezar o inacessível e investigar só o real, certo, indubitável;

    3. — nova visão dos problemas sociais para coibir os abusos do individualismo, substituindo a metafísica pela autoridade e ordem pública;

    4. — propõe um dogmatismo físico e um ceticismo metafísico: é uma filosofia determinista que considera anti-científico o estudo das causas finais;

    5. — divisão e classificação das ciências da mais simples e abstrata (matemática) à mais complexa e concreta, a física social (sociologia);

    6. — tem base na premissa de haver uma limitada interconexão entre diferentes grupos de fenômenos e cada ciência se dedida a um só grupo, de forma que os fenômenos são irredutíveis uns aos outros; a realidade é formada de fenômenos atômicos, partes isoladas que se relacionam, e não é possível apreender relações absolutas: “tudo é relativo, e isso é a única coisa absoluta” (Comte).

    7. — a sociedade positiva é um organismo harmonioso feito de partes integradas conforme o modelo mecanicista cartesiano; portanto a política também terá por base o método científico;
uma suma do positivismo
Em suma o positivismo é,
    1. — antes de tudo, um método geral universalizante, que engloba todos os outros métodos particulares (dedução, indução, observação, experimentação, a analogia e a filiação histórica);

    2. — uma busca da unidade do conhecimento com expurgo da subjetividade na construção do conhecimento;

    3. — um determinismo organicista porque tudo está determinado e é relativo às inter-relações entre fenômenos, de modo que o conhecimento é limitado;
lei dos três estados
Quanto ao desenvolvimento do espírito humano, se dá pela lei dos três estados (ideia originalmente de Saint-Simon):
    (a) teológico, em que a imaginação tem grande relevância na observação dos fenômenos; fundamenta a vida moral na crença na autoridade de poderes imutáveis que se expressam na política monárquica e no militarismo; divide-se em fetichista, politeísta e monoteísta;

    (b) metafísico (abstrato): explicações substituem deuses por forças físicas, químicas e vitais, reunidas na força da natureza que equivale ao deus único do estado teológico monoteísta; substitui o concrto pelo abstrato, a imaginação pela argumentação e destrói a ideia de que o sobrenatural subordinava o homem à natureza; sociedade estruturada por contrato, substitui a política fundada no rei pela soberania do povo;

    (c) positivo: imaginação e argumentação se subordinam à observação; ciência factual torna-se único critério da verdade; leis deve ser entendidas como relações constantes entre os fenômenos psicológicos (?);
Também a evolução do homem, ao longo de sua educação, passa pelos mesmos três estágios: a infância está no estágio teológico, atribuindo ao sobrenatural os fatos; os estudos científicos, em vez dos literários, é que promoveriam a emancipação.

ideias políticas do positivismo
Quanto às ideias políticas do positivismo e à sociedade na visão positivista, vê-se que a finalidade última do positivismo é política:
    (a) também a sociedade humana e submete às leis da natureza, sendo previsível e governável segundo modelos copiados da biologia;

    (b) a sociedade é um organismo heterogêneo cujas partes devem trabalhar de modo solidário de forma a superar a individualidade do liberalismo;

    (c) a sociedade apresenta dois movimentos característicos, (c1) um que leva à evolução, conforme uma lei universal, da forma mais simples para a mais complexa, e (c2) outro a busca ajustar todos os indivíduos a condições estabelecidas, conforme anseios da maioria (forças de progresso e de ordem);

    (d) a sociologia deve estruturar núcleos permanentes como pátria, propriedade, família, trabalho e religião, e assim será o ponto inicial da moral, da política e da religião positivas;

    (e) o sistema positivista se diz avesso a qualquer tipo de violência para obter a transformação social, e quer se basear na persuasão; devem ser contidos os conflitos, revoltas ou movimentos reivindicatórios, porque põem em risco a ordem e coesão;

    (f) dividiu, assim, o estudo da estrutura social em estudo da ordem social (estática social) e o da evolução social (progresso), que denominou dinâmica social; a ordem (a estática) tem preferência sobre o progresso (a dinâmica): sem ordem não há progresso porque o progresso é o desenvolvimento da própria ordem;

    (g) propôs o pagamento de um subsídio estatal a cada trabalhador, composto de parte fixa igual para todos, e uma parte variável conforme a produtividade;

    (h) a educação positiva deve incorporar o proletariado à ordem social dando-lhe instrução científica básica; a classe trabalhadora será o fundamento da ordem moral porque é superior às outras pelo sentimento moral, baseado em suas características de afeto e submissão;

    (i) o Estado tem uma função coordenadora totalizante, é intervencionista, impõe-se de forma coercitiva, como uma ditadura, extinguindo os órgãos legislativos;

    (j) não existe nenhum direito individual além do de cumprir o dever social; o verdadeiro caráter da educação moral depende da submissão do indivíduo à sociedade;
a moral positivista
São postulados da moral positivista:
    (a) a finalidade da filosofia é hierarquizar as ciências;

    (b) as ações humanas não são determinadas pela inteligência mas pelo que se sente: o sentimento leva à ação, a razão apenas a controla;

    (c) a moralidade deve despertar no povo o sentimento de obediência; os pobres e ricos devem aprender a ser felizes na sua condição social;

    (d) o ser humano é um ser total; a individualidade não existe: o indivíduo só existe como membro dos grupos (família, pátria, humanidade); matar a individualidade fará surgir a fraternidade universal;

    (e) é função da escola ensinar ao aluno como o mundo funciona pela ordem, e inculcar a ordem por meio da disciplina, obediência e hierarquia, eliminando o egoísmo;

a religião da humanidade
Numa fase posterior do seu também Comte criou (ou converteu o positivismo em) a “religião da humanidade”, o que dividiu seus seguidores em duas correntes: (a) ortodoxos, liderados por Pierre Lafitte, que seguiram a vertente religiosa (no Brasil, liderados por Miguel Lemos e Teixeira Mendes), e (b) heterodoxos, liderados por Émile Litré, que ficaram fiéis ao “primeiro” positivismo, científico e filosófico (no Brasil, liderados por Luís Pereira Barreto, Tobias Barreto e Silvio Romero, eram chamados “dissidentes”).

a deusa do positivismo
para Comte, o que caracteriza a Religião não são os deuses ou o sobrenatural, mas a busca pela unidade da moral humana; a religião positiva, “única verdadeira”, é racional e científica, não admite mistérios, revelações, vontade sobrenatural; o único ser supremo é a própria humanidade personificada (a deusa do positivismo).

A humanidade, nesse conceito, é o conjunto convergente de todas as gerações passadas, presentes e futuras (a humanidade que trabalhou, a humanidade que trabalha e a humanidade que trabalhará); a subjetividade é adquirida trabalhando.

A religião positivista tinha dois cultos, o à humanidade e o às mulheres (“anjos da guarda”).

O dogma essencial da religião positivista é: há coisas que o homem pode conhecer e outras que jamais conhecerá (os fenômenos são conhecidos mas suas essências (causas íntimas) não).

o positivismo no Brasil

segunda pátria
O Brasil foi a segunda pátria do positivismo. A primeira manifestação positivista ocorreu em 1844 (ou 1857, ou 1865, informação contraditória) quando o dr. Justiniano da Silva Gomes defendeu o positivismo na sua tese na Faculdade de Medicina da Bahia.

Em 1865 Francisco Antonio Brandão Jr., em seu livro “A escravatura no Brasil”, apresentou o positivismo à sociedade brasileira, ao abordar a questão da escravatura, repelida pelas ideias de Comte.

A vertente científica do positivismo (veja mais aqui) penetrou na Escola Militar, no Colégio Pedro II, na Escola da Marinha, na Escola de Medicina e na Escola Politécnica. Apesar do naturalismo e do evolucismo, o positivismo tornou-se uma reação filosófica à doutrina católica, única atitude intelectual que até então havia no país.

as ideias do positivismo brasileiro
Os positivistas brasileiros se posicionaram:
    (a) contra a escravidão

    (b) a favor do cientificismo

    (c) adeptos do progresso material e das artes mecânicas

    (d) contra a monarquia

    (e) contra o liberalismo;
O positivismo brasileiro cresceu entre os militares, graças principalmente a Benjamin Constant (†1891), professor de matemática na Escola Militar. Propunha a valorização do ensino como forma de alcançar o Estado sociocrático.

consequências do positivismo no Brasil
Sentem-se até hoje reflexos do positivismo da educação do Brasil. como o positivismo valoriza o método empirista e quantitativo, por meio da experiência sensível como fonte principal do conhecimento, e considera as ciências empírico-formais como modelos para as outras ciências, por sua “cientificidade”, isso se impregnou na mentalidade pedagógica brasileira até o presente.


a escola do recife

Até o fim do séc. XIX não havia novidade alguma na filosofia brasileira, a não ser o inconformismo (a intenção de combater a escolástica). A Escola do Recife recebeu influência de Kant (negação da metafísica), de Comte (naturalismo-materialista) e de Darwin (evolucionismo). Seus principais integrantes foram Tobias Barreto e Silvio Romero.

Tobias Barreto
Tobias Barreto (†1889) tem um trabalho que se divide em duas fases: 1ª, crítica ao espiritualismo e 2ª, um esforço para reestruturar a metafísica, entendida como a metafísica dogmática; defendeu, todavia, uma “metafísica reservada e consciente” que sempre existirá, “se não como ciência, como uma disposição natural e inerradicável do espírito”. Tal metafísica tem sua gênese na questão “o que eu posso saber?”.

Silvio Romero
Silvio Romero (†1914), discípulo de Barreto, proclamou o fim da metafísica. Sua obra principal, “Filosofia no Brasil”, critica dez autores brasileiros, mas é mais uma reação que uma análise crítica.

o auge da Escola do Recife
A Escola caracterizou-se pela polêmica, e por isso mereceu a crítica de exercer uma “espécie de socratismo tosco e paradoxal (...) com emperrada maiêutica e deformada ironia” (Crippa), sem coesão doutrinária e proposta além do mero inconformismo. Nenhum dos líderes da Escola cursara filosofia, eram autodidatas. Tinham por característica um pensamento radical e, pela polêmica, buscavam solução para os problemas da filosofia brasileira.

traços característicos da Escola
O grupo tinha em comum as ideias de evolucionismo, naturalismo e monismo, além de um desejo de atuação social.

declínio da Escola
Os seguidores de Romero e Barreto não desenvolveram a filosofia no âmbito epistemológico, continuaram a afirmar o caráter sintético da filosofia, como síntese da ciência.


marxismo no Brasil

O pensamento marxista no Brasil serviu de inspiração para os movimentos políticos de natureza socialista, e se desenvolveu por três abordagens:
    (a) marxistas, com posicionamento radical a pretensamente fiel ao pensamento original de Marx;

    (b) marxianos, cuja característica é o revisionismo;

    (c) marxólogos, que são analistas profissionais que usam o instrumental da leitura marxista.
Em consequência, “inexiste no Brasil uma tradição de estudos marxistas, porquanto a subestimação da teoria é uma decorrência do sectarismo e do praticismo dos seguidores do marxismo no Brasil” (Vita).

O primeiro marxista brasileiro foi o médico Silvério Fontes, de Santos, pai do poeta Martins Fontes, que abandonou o positivismo por uma junção das leituras positivistas e marxistas. Houve no Brasil uma movimentação de positivistas para o marxismo, com uma inevitável confusão de propostas entre as duas escolas, mesmo porque Marx no fim da carreira assumiu uma postura darwinista. Mas os positivistas brasileiros que migraram para o marxismo ignoravam e repudiavam o Hegel implícito em Marx [4].

Em 1922 Altrojildo Pereira funda o Partido Comunista Brasileiro.

Caio Prado Júnior
Caio Prado Júnior quis transportar a teoria marxista com finalidade prática para a história. Em “Evolução política do Brasil”, de 1933, as classes emergem pela primeira vez como categoria analítica nos horizontes de explicação da realidade social brasileira. Teve grande papel na sistematização do marxismo no Brasil. Cria num socialismo capaz de revolucionar o Brasil; para ele o que parecia ser a antítese do capitalismo era uma consequência do sistema capitalista, isto é, “o socialismo é a direção na qual marcha o capitalismo”. Não acreditava num conflito armado como solução, mas num processo histórico de transformações econômicas, sociais e políticas, que proporcionariam a equidade entre as classes sociais.

Álvaro Borges Vieira Pinto
Álvaro Borges Vieira Pinto (“Consciência e realidade nacional”) pertencia à linha moderada, diferente da postura ortodoxa de Caio Prado. Dizia que a grande Revolução ocorrerá quando a alienação cultural do país for superada, de modo que é preciso que as universidades tenham finalidade política: a classe opressora se mantém porque a divisão cultural entre os intelectuais e os sem instrução é preservada. A revolução, todavia, era urgente. Propunha algumas exigências práticas: (a) cogoverno, para democratizar as universidades, (b) supressão do vestibular, (c) popularização das universidades, (d) supressão da vitaliciedade das cátedras. Desenvolveu as ideias de ideologia e consciência numa teoria de superação do subdesenvolvimento nacional: uma ideologia do desenvolvimento com base na dialética entre consciência e realidade: para mudar a realidade é necessário elevar o nível de consciência das camadas sociais. diferença entre consciência ingênua e consciência crítica: (a) é uma forma inautêntica que desencadeia a condição de alienação, não está ciente do contexto em que vive, não está vinculada aos fatos, só às ideias, que considera princípios absolutos; (b) é produto da historicidade dos conteúdos críticos do passado, certa de estar refletindo em si um mundo existente fora dela. para retirar as armadilhas que levam à consciência ingênua necessário desconstruir as ideologias que favorecem o sistema de classes.

Leandro Konder
Leandro Konder foi um grandes críticos marxistas da realidade brasileira. Em 1965, em “Marxismo e alienação”, diz que Marx encontrou na alienação econômica a raiz do fenômeno global da alienação. A obra de arte pode ter vários graus de influência política. Com a Revolução de 1964 a perseguição forçou os marxistas a abdicar do discurso aberto e optar por um esquema de denúncia alternativa, voltando-se para os estudos da Estética.


considerações finais

As religiões protestantes, embora cristãs, incorporararam o antropocentrismo, reconhecendo o homem como ser ligado a Deus mas com autonomia e digno da realização material na terra.

O trabalho dos jesuítas ainda se reflete no currículo escolar brasileiro, no formalismo que enfatiza a leitura, a escrita e o domínio das contas.

Também os ideais positivistas persistem na educação tecnicista, que tornou a sociedade brasileira cientificista.




Notas

[1] Isso não parece indicar que também o fundamento da filosofia não é objeto alcançável pela filosofia, e deveria ser objeto de estudo de algo maior, externo? Como no teorema de Godel, um sistema só pode ser explicado de fora, por outro sistema?

[2] Nessa parte, informações de fmon e J2011d.

[3] Há uma distinção complicada entre “parecer” e “fazer um juízo”.

[4] “Marx assumiu de Hegel não só a dialética, mas também o sentido histórico e o caráter totalitário de seu sistema” (Zilles).